Resgatando a Identidade da Ekklésia

08/05/2013 18:28

 

    É verdade que a Igreja evangélica no Brasil vem experimentando nas últimas décadas um crescimento vertiginoso. Em nenhum momento da história tivemos tanta representatividade quanto nos dias atuais, vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores, ministros, médicos, psicólogos, professores universitários, filósofos, empresários, artistas, enfim, os evangélicos estão em todas as camadas da sociedade. Mas a que preço?

     Em nenhum outro momento da história o Evangelho de Cristo foi tão banalizado, os principais jornais deste país já postaram manchetes com temas os mais inacreditáveis: corrupção, sonegação de impostos, tráfico, formação de quadrilha e outros escândalos envolvendo líderes de renome no cenário evangélico. Dizer-se cristão hoje em dia é, muitas vezes, motivo de vergonha!

     O Evangelho se espalhou pelos quatros cantos desse país, mas deixou de ser o Evangelho de Cristo. A Igreja se descaracterizou, perdeu a identidade. Já não conseguimos diferenciar quem é evangélico daquele que não é, e não me refiro a estereótipo externo, mas a conduta moral e ética, que sempre diferenciou os evangélicos desde a igreja primitiva. Já não é mais o ethos cristão o aferidor de medidas de muitos evangélicos, mas uma postura de pragmatismo exacerbado, onde vale tudo para ter cada vez mais – o ser perdeu a prioridade para o ter. A espiritualidade passou a ser medida pela quantidade de bens que alguém possui. É comum vermos out-doors anunciando campanhas de conquistas pessoais e muitas igrejas já possuem em suas liturgias cultos voltados apenas para empresários, a igreja deixou de ser um lugar para os oprimidos e sobrecarregados com os enfados dessa vida e passou a ser um local onde pessoas ‘supostamente’ de sucessos profissionais e bem sucedidas financeiramente se encontram para proclamar um reino onde o fraco e o pobre não tem espaço e voz.

     A loucura da pregação (I Cor. 1.21), foi substituída por uma pregação louca, não que a pregação seja loucura, mas a mensagem pregada (Cristo crucificado) é loucura para o mundo. Criado no evangelho como sou, deveria não mais ficar impressionado com este tipo de mensagem, já que a ouço há muito tempo, mas é que ainda não consegui entender como Aquele, definido por Jó 42.2 como “o que tudo pode”, desceu a este mundo inundado pelo pecado, tornando-se carne, ou seja; humano, para que nós, que estávamos “no lodo”, atolados na sarjeta do pecado, tivéssemos hoje os pés firmados na Rocha, a qual o apóstolo Paulo afirma em 1Cor 10.4 que é Cristo.

     Por causa da loucura da pregação, outrora perdido, hoje tenho um alvo (Fl 3.13,14), meus passos já tem uma direção, porque já caminha sobre a Rocha.

     Por causa da loucura da pregação, esqueço o que ficou para trás. E como escreveu o Bispo de Hipona, Agostinho em seu comentário ao Salmo 40.3; “E o que está para trás? A fossa da miséria. O que significa: para trás? O atoleiro, as concupiscências carnais, as trevas da iniqüidade.”

     Por causa da loucura da pregação já não mais entro em condenação com o mundo (Rm 8.1), pois fui reconciliado por Deus mediante a morte de Cristo (Rm 5.10).

     Por causa da loucura da pregação sei que o sofrimento e as aflições desse mundo são temporários e tem apenas a finalidade de me aperfeiçoar diante de Deus, pois a tribulação produz paciência, e a paciência um caráter aprovado (Rm 5.3).

     Enfim, a loucura da pregação é que me torna o que sou, filho de Deus e herdeiro com Cristo de bênçãos sem medidas, espirituais, reservadas para nós muito antes da fundação do mundo (Ef.1.4)! E a pregação louca?

     Vi na frente de uma igreja que se diz evangélica uma faixa anunciando uma campanha onde a frase principal era “Pare de Sofrer!”

     Essa é uma mensagem louca, pregada por homens que de acordo com Judas “são ímpios, que transformaram a graça de nosso Deus em libertinagem e negam Jesus Cristo, nosso único Soberano e Senhor.” (Jd 4)

     Em muitos púlpitos já não se prega mais o Cristo crucificado (loucura da pregação), pois o substituíram pelo mercantilismo barato do evangelho sem a graça de Deus. Vendem um cristianismo sem sofrimento, por isso os líderes formados por essa escola descomprometida com o verdadeiro evangelho, são desprovidos de caráter.

     Santo Agostinho afirmou em seus escritos que “de todos os filhos de Deus só um nasceu sem pecado, porém todos sofreram, inclusive o Cristo”. Ao passar pelo sofrimento, a encarnação de Cristo foi de fato concluída, pois Ele se identificou conosco no nível mais profundo da angústia e assim se qualificou para pagar o preço da nossa imperfeição pecaminosa, para se tornar nosso sumo sacerdote compassivo (Hb 2.10).

     Homens que utilizam o púlpito, para sua própria exibição, com técnicas meramente humanas e o uso exacerbado da tecnologia moderna, que brilham à luz dos holofotes pois o brilho de Deus já não refletem há tempos!

     Fazem da igreja um local de comércio, onde vendem idéias loucas de retorno imediato e garantido. Alguns chegam até a dizer que deixarão de ser “pregadores da Palavra”, se o que eles, em suas loucuras, estão falando, não acontecer dentro do prazo que estipulam. O Evangelho foi modificado a tal ponto que chega a causar espanto naqueles que ainda estão comprometidos com o Reino (o que cada vez mais tem diminuído de número).

     O Pr. Paulo César do grupo Lógus, canta dizendo:

 

“Quem ontem era servo

Agora acha-se senhor

E diz a Deus como deve ser”.

E conclui dizendo que o

“Verdadeiro evangelho exalta a Deus

E é mais claro que a água que eu bebi

E não se negocia a sua essência”.

 

     A pregação louca é destinada a poucos, só os que podem pagar (e como é caro!), chegam a dizer que esse é o plano de Deus para os homens, as riquezas deste mundo; esquecendo o que disse o Mestre Jesus que o engano das riquezas sufoca o verdadeiro evangelho, como sementes lançadas em meio ao espinheiro (Mt. 13.22). Em seus templos anunciam uma pregação louca para os seus membros (desculpe, associados!). Estipulam o valor da oferta (que na Bíblia é voluntária) a um valor esquecendo que a verdadeira riqueza encontra-se em Cristo (Ef 1.18).

     A pregação louca anuncia um reino terrestre, com a construção de mega-Templos, e dizem que com isso estão glorificando o Nome de Deus. Pedras trazidas por navios de Israel, tornando Deus um Deus nacional como acreditava o capitão do exército da Síria (2Rs 5.17), esquecendo o que disse o salmista Davi em Sl 24.1 que “do Senhor é a terra” e repetido por Paulo em 1 Cor 10.26. Não é necessário trazer nada de Israel para adorarmos a Deus, já que o que Ele está à procura é de pessoas que o adorem em espírito e em verdade (Jo 4.23). Não são os lugares que comovem a Deus, porém corações quebrantados (Sl 34.18).

     É essa pregação louca que temos escutado em diversas igrejas, o que me convence da iminente volta de Cristo, onde o amor pelo verdadeiro evangelho seria esfriado e a verdadeira religião (Tg 1.27), seria esquecida.

     “Tempos trabalhosos”! Como definiu o apóstolo Paulo, onde alguns abandonarão a fé (Sola Fide)  e seguirão a espíritos enganadores e doutrinas de demônios (1Tm 4.1).

     Mensagens loucas que produzem teologias deturpadas, uns defendem o homossexualismo e dizem que isso é a mensagem de Deus sem preconceito. Deus não tem preconceitos quanto ao pecador, pois ama a todos, sem diferença; no entanto trata o pecado com radicalidade! O padrão de Deus para a família é e sempre será o homem e a mulher (Gn 1.27), e o que passar disso é doutrina de demônios!

     A verdadeira pregação produz humildade, quebrantamento e teologia saudável, uma teologia comprometida com a graça de Deus que é livre (Sola Gratia), porém não é barata, pois o preço foi o Cristo crucificado, tema da loucura da pregação!

     Uma teologia que também se compromete com missão, e missão simboliza sangue. O escritor Philip Yancey em seu livro ‘Oração’ escreveu que “começando por Abel, as testemunhas da graça selaram suas palavras com sangue. O próprio Jesus perguntou aos judeus qual dos profetas não foi perseguido. E quando enviou seus discípulos pelo mundo, prenunciou-lhes traição e morte. Depois, já no fim do ministério, afirmou que seus seguidores, ao difundir sua palavra, enfrentariam tribulação e ódio”. E conclui dizendo que é preciso “lembrar que o próprio Deus enterrou seu Filho no campo da Missão”.

     Pelo que podemos perceber, um evangelho descomprometido com o Cristo crucificado (Solus Christus) se torna pela força de seu próprio discurso uma pregação louca, proferida por loucos. Quanto a mim, fico com o que nas Escrituras (Sola Scriptura) está registrado em Gálatas 1.8,9, dito pelo próprio apóstolo Paulo; “Mas ainda que nós ou um anjo dos céus pregue um evangelho diferente daquele que lhes pregamos, que seja amaldiçoado! Como já dissemos, agora repito: Se alguém lhes anuncia um evangelho diferente daquele que já receberam, que seja amaldiçoado!”

 

Soli Deo Glória!

P.S. Este texto faz parte do livro "Resgatando a Identidade da Ekklésia" de autoria do Pastor Jairo Carioca  de Oliveira e em breve estará disponível nas livrarias.