Ciúme: Eis a questão!
Ciúme, sentimento que acompanha o ser humano em toda sua história desde o surgimento do mesmo. Tão presente na literatura ocidental, quanto na literatura oriental, motivou poemas, peças teatrais e músicas. Inspirou os mitos gregos e está presente até na literatura sagrada cristã – a Bíblia – surgindo na forma hebraica a palavra ‘qinah’, quarenta e uma vezes no Antigo Testamento e no termo grego ‘parazelóo’, quatro vezes no Novo Testamento.
O criador de Dom Juan, Tirso de Molina definiu o ciúme como “o saleiro no banquete do amor”. Na química das emoções esse sal tem nome e chama-se oxitocina, que mantém o vínculo afetivo entre o ciumento e a pessoa amada, resultando de processos mentais complexos e acendendo a região do lobo frontal, fazendo com que o ciumento se corroa de angústia ao imaginar que possa ser traído a qualquer instante. A esse circuito ligam-se outros elementos associados ao stress e à agressividade, com a liberação do hormônio cortisol, ocorrendo a experiência física do ciúme que é taquicardia, boca seca e estômago embrulhado.
No início de um relacionamento toda paixão é intensa, mas tende a diminuir com o tempo e, dá lugar então ao amor. Para estar com alguém durante muito tempo é preciso reciclar os sentimentos, como escreveu o apóstolo Paulo “o amor não busca seus próprios interesses”. É preciso manter-se preocupado com o outro, observar o que pode ser melhorado e que haja cumplicidade, companheirismo e carinho para que crescimento mútuo e conquistas continuem acontecendo. É fácil descobrir o que amamos, é só observarmos o tempo gasto com ele, pois o amor demanda tempo.
O ciúme foi classificado por Sigmund Freud em três tipos: normal ou competitivo, projetado e delirante. O medo de perder o objeto amado, tão presente em diversos relacionamentos, acompanha a vida dos enamorados e geralmente está ligado às fantasias inconscientes da vida infantil, tendo suas raízes no complexo de Édipo e nas relações entre irmãos. No ciúme projetado predominam fantasias de infidelidade do próprio sujeito que projeta na parceira, a fim de aliviar a culpa; é comum pessoas infiéis projetarem infidelidade no outro. Já no ciúme delirante, além das fantasias de infidelidade, há o potencial agressivo que ocasiona o ciúme patológico, ou obsessão.
É preciso antes entender que o ciúme não implica necessariamente uma obsessão, mas a obsessão amorosa, ao contrário, obrigatoriamente sempre implica em ciúme. A diferença básica entre ambos é que o ciúme normal respeita as diferenças, já que o verdadeiro amor liberta e não domina, baseia-se na troca e no respeito e não no sentimento de posse, desculpa e poder. O amor não mata, o real problema é que só ficamos sabendo disso muito tarde. O obsessivo sustenta a crença da impossibilidade da vida sem o outro, e essa crença o impele a uma série de atitudes compulsivas que obedece a aspectos aparentemente sociais e românticas, como dá presentes não como uma generosidade, mas antes uma tentativa de prender o outro na escravidão que já a aprisiona, o que consiste em um ato de egoísmo e de demonstração de poder.
O obsessivo não se relaciona bem com amigos e familiares, pois enxerga em todos eles possíveis concorrentes e rivais, existindo nele uma demanda de exclusividade e um desejo intenso de eliminar todos os rivais; exige exclusividade e acredita que só ele preenche as necessidades do outro, não permitindo muitas vezes nem que o outro estude ou trabalhe. É o modo infantil de amar, trazendo consigo o medo da rejeição, sendo a base dos delírios e dos crimes passionais.
A infidelidade ocorre, na maioria das vezes, pelo adormecimento do relacionamento do desgaste proporcionado pela sensação de posse do outro, é um sintoma de que o relacionamento não vai bem, mas não significa a falta de amor. Sentir ciúme e não procurar dialogar com o parceiro sobre isso pode ser fatal para o relacionamento, pois o amor é uma construção diária, e precisa ser alimentado todos os dias com desejos e vontades de cada um dos parceiros, é importante que cada um faça o outro perceber que é desejado e amado, com diálogo é possível lidar com o terrível sentimento de posse chamado ciúme. Como escreveu o apóstolo Paulo, aquele que compreendeu bem a essência do amor: “Quem ama é paciente e bondoso. Quem ama não é ciumento, nem orgulhoso, nem vaidoso. Quem ama não é grosseiro nem egoísta; não fica irritado, nem guarda mágoas. Quem ama não fica alegre quando alguém faz uma coisa errada, mas se alegra quando alguém faz o que é certo. Quem ama nunca desiste, porém suporta tudo com fé, esperança e paciência. O amor é eterno.”
Se perceber que o ciúme já está fora de controle o ideal é procurar um especialista e juntos discutirem esses sentimento de posse tão destrutivo, buscando uma orientação segura quanto ao caminho a se percorrer nessa tão longa estrada que é a vida e o amor.